quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Santa Leocádia


Enquadramento
Rural, isolado, no rebordo ocidental da serra da Padrela, na periferia da aldeia, sobranceiro a um vale agrícola. Adro sobrelevado, murado com acesso frontal por portão de ferro, antecedido por cruzeiro e escadório desenvolvido em leque, e ladeado por altos ciprestes; pavimento de terra, relvada, com dois sarcófagos antropomórficos encostados à igreja.

Descrição
Planta longitudinal composta por nave única e capela-mor quadrangular, mais baixa e da mesma altura, tendo adossado a ambas na fachada lateral S. sacristia também quadrangular. Volumes articulados com coberturas diferenciadas em telhados de duas águas e uma na sacristia. Fachadas com paramentos de cantaria aparente. Fachada principal virada a O., terminada em empena de cornija truncada por dupla sineira de arco de volta perfeita, ambas com sino, terminadas em cornija encimada por pináculos e cruz central. É rasgada por portal de verga recta rústica e, sobre ele, por uma janela rectangular com gradeamento de ferro; ladeia-a relógio circular. Fachadas laterais terminadas em cornija, lisa na nave e decorada com folhagens de remate boleado na capela-mor, assente em cachorrada, decorada com cabeças humanas, animais e motivos geométricos; a lateral N. é rasgada por uma fresta e dois portais entaipados: um de arco quebrado e tímpano liso e outro de arco contracurvado, e a do lado S. possui na nave duas janelas e um portal de verga recta, uma fresta de arco de volta perfeita e um portal de arco quebrado entaipado; na parede da nave, corre em plano intermédio consolas decoradas de apoio a um alpendre já desaparecido. Na parede da sacristia abre-se uma janela rectangular rústica. A fachada posterior apresenta ao centro fresta de duas arquivoltas decoradas com rosetas e enxaquetado, assentes em impostas decoradas com folhagens e em colunelos de fuste decorado com caras e folhagens de remate boleado. Sobre a empena angular uma cruz de âncora. INTERIOR de paramentos rebocados e caiados de branco, com pavimento de lajes regulares de granito, cobrindo inúmeros enterramentos, alguns deles assinalados por letras, algarismos ou molduras gravadas, coberto por soalho de madeira, e cobertura de madeira, formando caixotões pintados com flores nos ângulos e ao centro, de cores rosa e outras azuis. Coro-alto de madeira, com balaustrada de madeira, pintado a marmoreados rosa e verde, acedido por escada disposta no lado da Epístola; no coro possui escada de madeira que, através de alçapão, permite aceder à sineira; no sub-coro, pia baptismal circular protegida por balaustrada de madeira. No lado do Evangelho dispõe-se, frente ao portal lateral, púlpito rectangular sobre mísula volutada com guarda de madeira pintada; segue-se-lhe retábulo de talha dourada e policroma, de planta recta e três eixos, e, no topo da nave, um outro, igual ao existende no lado da Epístola em posição confrontante, também de talha dourada e policroma, mas de planta recta e um eixo, encimados por baldaquino rectangular pintado a marmoreados. No lado do Evangelho, desenvolvem-se pinturas murais ao longo de 5 m., destacando-se entre os dois retábulos a pintura representando a imagem de São Cristóvão, em grande escala, segurando um cajado e levando no ombro esquerdo o Menino Jesus. No lado da Epístola, onde a superfície é sensivelmente menor, destaca-se painel rectangular com moldura envolvente, criando composição independente das outras, e tendo na zona inferior a inscrição "sta imãgen Mãdou pimtar ... Ãdaes por sua..."; ao centro do painel vê-se uma figura feminina. Arco triunfal quebrado com arquivoltas pintadas com enxadrezado de óvulos, enxaquetados e dentes de serra com pérolas nos intervalos, assente em impostas lisas; inferiormente, surgem pintados acantos enrolados. Na capela-mor, paredes laterais com pinturas murais; no paramento do lado do Evangelho, mais rico, possui várias cenas pintadas, divididas, criando vários registos; uma cena da Visitação, com a figura da Virgem e de Santa Isabel, tendo como fundo porta em tromp l'oeil, na zona central uma figura que poderá corresponder à Anunciação, e depois um Menino Jesus amparado por mãos femininas, talvez a cena do "Massacre dos Inocentes"; no paramento do lado da Epístola, surge representado uma figura profana, num fundo paisagístico, um tocador de gaita de foles tendo a seu lado uma outra figura, segurando nas mãos um cajado; encima a cena um anjo segurando nas mãos filactera com inscrição "A 1?61". Na zona inferior dos paramentos, surge pintado faixa larga com motivos geométricos, tipo mosaico, e na zona superior grotescos pompeianos, com motivos vegetais, anjos, aves e outros animais. De cada lado do arco triunfal, surge uma inscrição de caracteres góticos pintada; no lado direito parece ".. esta obra mandou fazer Dom Fernando..." e do esquerdo "... El rey ... de Coimbra...outeiro...". A parede testeira apresenta pintados à direita, a figura de São Paulo e, à esquerda, a de São Pedro, ambas de grande dimensão, enquadradas numa espécie de edículas separadas por colunas de capitéis coríntios e tendo como fundo grotescos. Retábulo-mor de planta recta e três eixos delimitados por colunas torsas decoradas por pâmpanos e anjos, assentes em mísulas volutadas e, nos extremos, em plintos; as colunas centrais prolongam-se em arquivoltas, formando o ático e envolvendo o arco de volta perfeita da tribuna central, revestida a painéis de talha decorados com acantos; na zona central, sotobanco muito elevado para receber o sacrário e trono de três andares. Nos laterais, painéis com mísulas contendo imagens encimadas por entablamento encimado por dois painéis pintados, no lado do Evangelho com a figura de São Pedro e no oposto com a de São Paulo; remate com aproveitamento de elementos de talha. No banco, duas portas entalhadas de acesso à tribuna.

Descrição Complementar
Retábulo lateral do lado do Evangelho de planta recta e três eixos delimitados por, pilastras nos extremos, e colunas torsas, de espira fitomórfica, e capitéis coríntios, assentes em mísulas com anjos atlantes, e suportando entablamento de friso decorado com concheados; no eixo central, nicho de arco de volta perfeita decorado, contendo imagem em mísula e nos laterais, de fundo pintado por flores, mísula e baldaquino; tabela pintada ladeada por quarteirões, aletas laterais e pináculos no alinhamento das colunas extremas, rematado por frontão de volutas. Os retábulos laterais do topo da nave têm planta recta e um eixo, delimitado por colunas coríntias com o terço inferior decorado com acantos e querubins, assentes em plintos ornados com acantos e suportanto entablamento, sobre o qual assenta tabela rectangular ladeada por quarteirões, aletas e pináculos sobre acrotérios; remate em frontão de volutas interrompido; ao centro, nicho de arco de volta perfeita enquadrado por alfiz decorado por acantos em forma de voluta, contendo imagem.

Cronologia
Séc. XII - Provável construção da igreja românica;
1264, 28 Setembro - o rei, atendendo às queixas recebidas da parte dos abades das Igrejas de Santa Leocádia, Moreiras e São Miguel de Nogueiras, ordena aos juízes de Chaves que não obrigassem os habitantes das terras que as referidas igrejas possuiam nos termos de Chaves e Montenegro a irem em anúduva ao castelo de Chaves;
1287 - documento relativo a um acordo entre Dom Telo, Arcebispo de Braga e os monges de Castro de Avelãs, figura um "Domino Joanne Didaci - Abate Ecclesiae Sanctae Leocadie de Monte Negro";
Séc. XVI - ampliação da nave, dada a linha de "costura" evidente do lado N. e porta de arco contracurvado; realização das pinturas murais;
Séc. XVII / XVIII - data dos retábulos de talha;
Séc. XVIII - alterações na fachada principal, com abertura de novo portal e janela; provável alteamento da capela-mor e ampliação da nave para O.;
1727 - data gravada sobre o janelão da fachada S.;
1799 - tecto da sacristia;
1824 - remodelações assinaladas na padieira da primeira janela e porta da fachada S.;
Séc. XIX - pinturas do tecto;
1997 - durante os trabalhos arqueológicos, detectou-se no cunhal NE. da capela-mor um muro de aparelho romano, confirmando a existência de restos de um edifício desse período, talvez um "mutatio", alicerces que existem sob a igreja e o adro;
2002 / 2004 - visitas ao imóvel para elaboração da Carta de Risco do imóvel.

Tipologia
Arquitectura religiosa, românica. Igreja românica de planta longitudinal composta por nave única e capela-mor rectangular, mais estreita, com sacrisitia adossada à fachada lateral S.. Fachada principal terminada em empena truncada por dupla sineira e rasgada por portal de verga recta simples e janela rectangular. Interior com coro-alto, cobertura de madeira, em caixotões com flores pintadas, provavelmente do Séc. XIX, púlpito do lado do Evangelho, dois retábulos laterais de talha dourada e policroma maneiristas e um barroco e retábulo-mor de talha dourada e policroma maneirista. Pinturas murais do séc. 16 cobrindo a nave e capela-mor.

Características Particulares
Igreja de romaria com alpendre exterior. Todo o seu interior era revestido a pinturas murais, ao que parece com 2 níveis pictóricos sobrepostos, com figuras representadas em grande escala. Sabe-se que o pintor era de Coimbra e as pinturas foram feitas com base nas gravuras de Wohlgemuth, mestre do séc. 15, de Nuremberga. A figura de São Cristóvão na nave possui grande qualidade plástica, portando manto de decoração algo cuidada, imitando brocado, contrapondo-se com a figura do Menino no ombro, de traço muito menos cuidado; São Cristóvão apresenta alguns repintes ou várias mãos. Os grotescos no fundo destas são típicos do séc. 16 e surgem também nos frescos da Igreja de Vila Marim. Algumas das pinturas possuem legenda, com troços delidos, com referência ao seu promotor e / ou data de execução. Quer a pintura mural da parede testeira da capela-mor, que poderá ter constituído uma estrutura retabular, quer os dois painéis do retábulo-mor, possuem iconografia idêntica, representando as figuras de São Pedro e São Paulo. O retábulo lateral do Evangelho possui estrutura muito arcaica, maneirista, e decoração joanina, com alguns elementos rococós. O retábulo-mor é maneirista, de andares, com elementos de talha nacional, apresentando muitos elementos reaproveitados .

Observações
A Igreja de Santa Leocádia foi Reitoria e Comenda da Casa de Bragança e pertenceu ao Arcebispado de Braga até à criação da diocese de Vila Real. A realização de sondagens interiores puseram a descoberto pinturas murais na primeira parte da nave e na capela-mor. Foram executadas a têmpera, com aglutinante de gema de ovo detectando-se a presença de resina, sobre uma argamassa pouco carbonatada. A paleta é relativamente variada, sendo os pigmentos mais usados os ocres, terras, vermelhos e verdes.

(fonte: IHRU)

Sem comentários: