quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Obra Assistencial do Convento de Cristo

Da esmola que se dá ordinariamente neste Mosteiro e de outras obras pias que se fazem neste propósito

De muito antigo sabemos que a esmola foi frequente nos mosteiros, e disto há tantos exemplos que seria supérfluo trazê-los aqui, pois com os olhos vemos isto cada dia, mas o que aqui deixaremos servirá dum exemplo mais natural que se pode achar em toda a Espanha e remeto-me nisto ao que aqui se disse, para que outrem o pasme com os olhos, sem desmentir-me, pois é quase o que vi pelos livros das procurações.
Primeiramente o D. Prior, do poder e comissão dele, dá 12.000 maravidis em dinheiro cada ano, e 24 anegas de trigo, que são 2 moios portugueses [cerca de 50kg]. Dão-se no dia de Natal dois moios e outros tantos pela Ressurreição, que são 48 anegas de trio (240 alqueires).
A esmola ordinária é a que se segue: 2 anegas (10 alqueires) de pão cozido cada dia, à Portaria, o que monta a 740 anegas. Cada dia se dão na Vila a 7 ou 8 pessoas e às vezes a mais, que são honradas porém pobres, a ração que se dá a um religioso do Convento; tanto de pão; tanto de carne ou peixe, o que ao cabo do ano é uma boa quantia.
Há um Mosteiro da Ordem, do P.e S. Francisco, chamado a Anunciada, que pudemos ver que se mantém à custa deste [Convento de Cristo], porque todos os sábados se lhes dá uma anona (ração) de vinho e outra de vaca e um quarto de carneiro, e embora se lhes não dê pão à ração, todo o que mandam pedir aos religiosos se lhes dá, de maneira que eles vão ao forno enchem seus alforges, e se de outra coisa têm necessidade, não fazem mais do que avisar o porteiro, sem que nisso se ponha a menor dificuldade, como eu vi.
Há ordem de dar cada dia pão a quantos pobres chegarem, e segundo a qualidade dos que chegam, se lhes dá mais e melhor, porque a viadantes honrados dá-se pão do que comem os freires, e um real castelhano, e às vezes um tostão que vale dois reais e meio, e segundo a ocasião, da necessidade sai a liberalidade. Às sextas-feiras, como dias mais dedicados à misericórdia, há outra esmola diferente, para o que a Casa da Misericórdia que é uma Confraria notável e Irmandade de Portugal, vai ao Convento, e essa esmola chega para todos os que estão presos, para que, em abundância, tenham sopa de legumes e hortaliças.”

A Botica

A todos os doentes da Vila a quem os médicos atestam que são pobres, dá-se-lhes o necessário, tal como aos frades do Convento, e servem-se em geral a quantos pedem ninharias, tais como unguentos, águas e outras coisas, mesmo sem assinatura do médico, e tudo liberalmente.
E para que se veja a grande franqueza piedosa deste Convento, dir-lhes-ei o seguinte: Há na Vila de Tomar e seus arredores 4 Conventos da Ordem dos Mendicantes de S. Francisco, que são os seguintes: O Convento de Santa Cita, o Convento do Loreto (Tancos), e o da Anunciada que são de frades, e o de Santa Iria que é de freiras de Santa Clara que está na Vila de Tomar. A todos estes se lhes dão medicamentos necessários, sem lhes faltar cousa alguma, e com tanto à vontade vêm pedir como se fossem com dinheiro; e dão-nos com tanta lhaneza como se eles os pagassem, e com grande alegria pelo interesse espiritual.
Também se fornece o Hospital da Misericórdia com tudo o necessário e se o pessoal da Misericórdia manda pedir alguma coisa, se lha dá francamente.

A Hospedaria

Ainda como esmola se pode contar o que respeita a hospedar peregrinos com todo esse espírito que, por respeito à diferença de pessoas que acorrem ao Convento, aí também há diversa forma de recebê-las, consoante convém tratá-las separadamente.
Já quando falei dos claustros disse que havia um da hospedaria com grandes compartimentos. Que ali havia aposentos para os Prelados e Príncipes seculares, e que daí para baixo, para os comuns.
Agora mostrarei como esta hospedaria é a mais frequentada de quantas há em qualquer outro Convento de Espanha; e as razões de tão grande frequência são duas:
Numa, porque de ordinário dão aqui o hábito aos cavaleiros que professam nesta Ordem Militar e fazem profissão, porque os Reis, como os Administradores, querem que aos que vão professar cá se lhes dê o hábito, e estes são muitos e chegam todos os dias.
A outra é que este lugar está na Estrada Real do principal Reino de Portugal, porque encaminha de Lisboa a Coimbra e ao Porto, e às terras de Entre-Douro-e-Minho, que é o melhor do Reino.
Por estas terras há muitos frades de todas as regras e muitos senhores e donos de quintas e também gente paupérrima, que vai para Lisboa, e como todos têm Tomar como porto seguro, acorrem ao Convento que, como doce Mãe, recebe a todos com grande Amor e braços abertos.
Depois devido à frequência de diversas categorias de gentes, há hospedagem permanente e a ninguém se fecham as portas.
Causa admiração que quando vêm com comitiva, as pessoas principais são tratadas com respeito, e a todos os seus criados e cavalgaduras se lhes dá, honradamente, tudo de que têm necessidade; e os mais pobres destes, não se faz acompanhar por menos de três pessoas.
Também, se passa um Prelado ou Senhor de alto coturno, é hospedado e tratado como o melhor da sua casa, como se o Convento fosse obrigado a isso.
Há normalmente senhores e cavaleiros que passam de caminho que, se usam hábito, vêm a receber a bênção do D. Prior, sob pena de serem castigados; e se vêm, levam por pena serem convidados. Os outros, como têm por certo que hão-de achar pessoa honrada e bom acolhimento, também vêm ao Convento.
Vêm depois os hóspedes religiosos que são inúmeros, porque, em 15 ou 20 dias que estive no Convento, passaram cerca de 60 frades, e deles mais de 40 eram de S. Francisco, porque não houve um só dia em que ao almoço ou ao jantar não houvesse 2 ou 3, e eu vi 9 num só dia. A todos se dá mui pão e vinho para o caminho. Há diferenciação em hospedar segundos os méritos, e assim, com notável prudência, o Padre Hospedeiro, que sempre é pessoa de muita confiança, fornece os aposentos, cama, mesa e outros serviços, conforme as pessoas.
Enfim, quanto à Hospedaria, não se pode exigir mais e melhor por isso não há outra frequência como esta, e daí a necessidade de se fazerem grandes despesas.
E averiguado a quanto montam as despesas ordinárias de cada ano, vi que atingem 2.500 cruzados, que são 2.350 ducados castelhanos. E como as coisas em Portugal são muito caras, e quem vir o pouco rendimento que tem o Convento, que não passa de 9.000 ducados castelhanos, já que sustenta normalmente 80 religiosos, fora os leigos, e 80 criados que servem a comunidade e as oficinas, e o que dissemos que se gasta em esmolas e hospedaria, nota-se ser milagre, e portanto se há-de julgar que o faz Deus, pelo muito que é servido por seus servos e no culto divino e na liberalidade que se usa com pobres.

- Frei Jerónimo Roman

Como diz Garcez Teixeira:
Eis a obra maravilhosa, em traços muito largos, da Caridade, Amor ao Próximo e Piedade, dos Freis de Cristo.

Frei Jerónimo Roman:
é milagre, e se há-de julgar que o faz Deus.

Ubi est Caritas et Amor, ibi est Deos.

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