terça-feira, 5 de abril de 2011

Mapas: os designados Povos Promíscuos

Junto à linha da fronteira do concelho de Chaves, de um e do outro lado do vale do Tâmega, existem três lugares – Soutelinho, Cambedo e Lama de Arcos – onde, durante muito tempo, promiscuamente viveram os povos de ambos os países. Nestas aldeias, em tudo semelhantes a outras, os habitantes falavam uns o português e outros o espanhol “porque os sinais que designam a raia e que todos sabem muito bem onde ficam, estão nas ruas, nas paredes das casas, e alguns dentro delas. Disto nasce a falta de respeito às leis e às autoridades (…)”. Em Soutelinho, “nós mesmos vimos num pequeno largo em que há casas situadas em terreno português, estarem os contrabandistas a comprar cereais para introduzir neste reino, quando isto não era permitido, e estarem os empregados fiscais, mesmo ao pé deles, sem poderem dizer a mais insignificante palavra” (Vasconcelos e Sá, 1861, publicado por J. B. Barreiros). Aqui, era sobretudo o contrabando a grande preocupação de ambos os governos. Tendo sido rectificada a linha de fronteira pelos membros da comissão mista em 1856, que a encontrou tal qual aparecia descrita nos antigos tombos, a proposta portuguesa, já que ambos os países estavam de acordo em pôr fim a esta situação que consideravam anómala e lesiva, era de que a linha de demarcação deveria passar, em cada um destes lugares, por fora das últimas casas e a uma certa distância delas; quanto à sua pertença a um ou outro país, ela seria determinada pelo maior número de fogos se situarem de um ou de outro lado. A ser assim, Lama de Arcos (52 e 25 fogos, portugueses e espanhóis, respectivamente) e Soutelinho (80 e 12) passariam a pertencer a Portugal, enquanto Cambedo (13 e 25), a única que no tombo do século XVI era só portuguesa, passaria para Espanha. Mas, nas negociações diplomáticas, Cambedo seria trocado pelas pretensões portuguesas a Santiago e Rubiás do Couto Misto e os três “Povos Promíscuos” integrados em território nacional. Diferente era a situação de Rio de Onor, um lugar muito antigo (provavelmente até anterior à independência de Portugal), situado a Nordeste de Bragança, com dois núcleos separados pela fronteira. Junto ao rio Racha (entretanto também apelidado da mesma forma que o lugar por onde passa) e à sombra das serranias que formam as suas margens tortuosas, a parte portuguesa, a de “Baixo” e maior, dispõe-se a jusante da espanhola ou de “Arriba” (hoje, Rihonor de Castilla), que uns 150 metros separam. No momento da demarcação, chegou a considerar-se que deveria ser tratado este lugar como o haviam sido os Povos Promíscuos, já que, por um lado, as difíceis comunicações obrigavam a passar nos dois países e, por outro, os seus habitantes, vivendo de modo diferente, quando lhes convinha mudavam “de bairro e de nação”. Mas o Tratado manteria a situação anterior, com a demarcação feita numa margem por um pequeno ribeiro e na outra pelas cumeadas das serras. Se, em muitos locais da fronteira transmontana, os conflitos entre moradores vizinhos atrasaram a demarcação preparatória do Tratado de Limites, o mesmo não se passou depois de Rio de Onor, onde grande parte da delimitação se apoiou no encaixado vale do Douro.

- Finis

Y los caramellos?
Molitos; muy buenos

2 comentários:

O disse...

Obrigado por tão interessante blogue.
Apenas dizer que os habitantes destas aldeias falariam o mesmo idioma, falavam, e ainda falam para quem tenha ouvidos e ouça por baixo da influência dos padrões espanhol ao norte e lisboeta ao sul, o mesmo som.

Sigillum disse...

Muito obrigada.
Tem toda a razão, são raízes bem profundas, e que ainda hoje se ouvem.
Agradeço a visita
Saudações