- Historia InsulanaO primeiro Capitão foi o muito illustre, e famoso fidalgo Frei Gonçalo Velho Cabral, Commendador de Almourol da Ordem de Christo, e senhor das terras de Pias, Bezelga, e Cardiga, na jurisdicção do Thomar; chamava-se por antonomásia o Famoso, pelas famosas acções que obrou, acompanhando aos Reis de Portugal na conquista de Africa; porque os Commendadores professos da Ordem de Christo, ainda então não casavão, e el-rei D. Manoel foi o primeiro que lhes alcançou dispensa para casarem: Frei Gonçalo (que antes florecera) nunca casou; e como descubrio a Ilha de S. Miguel, diremos abaixo tratando d'ella; consta porém que a ambas governou com tanto valor, prudencia, e brandura, que de todos foi sempre muito obedecido, e amado.
Depois vendo-se já velho o dito Fr. Gonçalo, e que comsigo tinha trazido para a Ilha a dous sobrinhos, ainda meninos, Nuno Velho de Travassos, e Pedro Velho de Travassos, filhos ambos daquelle grande fidalgo Diogo Gonçalves de Travassos, e da irmã delle, Capitão: Violante Cabral, e que ambos erão já homens capazes, e muito aptos para governar, resolveo-se voltar a Lisboa, como voltou, e pedio ao Infante D. Henrique lhe confirmasse a renuncia que queria fazer das duas Capitanias das Ilhas de Santa Maria, e São. Miguel nos ditos dous seus sobrinhos; porém como na casa do Infante tinha ficado outro sobrinho de Frei Gonçalo, filho de outra sua irmã D. Tareja Velho Cabral, e do fidalgo da casa dos Soares de Albergaria; e este sobrinho tinha feito grandes serviços ao Infante, que o estimava muito, e inclinava para elle, o mesmo foi saber isto Frei Gonçalo, que renunciar as Capitanias ambas no sobrinho João Soares de Albergaria, e aos mais sobrinhos repartir a Commenda, e senhorios de terras que mais tinha, e tudo approvou o Infante com especial agrado, e confirmou por carta patente que veremos.
A este primeiro Capitão Donatário das Ilhas de S. Maria, e S. Miguel passou o infante o Alvará seguinte, que diz assim no seu antigo modo de fallar:
«Eu o Infante D. Henrique, Duque de Vizeu, senhor da Covilhã, etc, mando a vós Frey Gonçalo Velho, meu Cavalleyro, e (Capitão por mim em minhas Ilhas de Santa Maria, e São Miguel dos Açores, que tenhais esta maneyra suso escrita, acerca da justiça, e feitos civeys. Vós mandareys aos Juizes das terras, que oução as Partes que em litigio forem, e as mandem vir perante si, e lhes facão cumprimento de direito; e se das sentenças que os Juizes derem, quizerem appellar, appellem para vós, e vós confirmareis as sentenças dos Juizes, ou as corregey, qual virdes que he direyto; o se de vossa sentença elles quizerem appellar, vós lhes não recebereis as appellações, nem lhes dareis, salvo estromento de aggravo, ou carta testimunhavel para mim com vossa reposta: e eu então denunciarey o que vir que he direyto, e vos mandarey o que façais: porém vós não deixeis de mandar executar as ditas sentenças, posto que com os estromentos, ou cartas testimunhaveis a mim venhão. E se for em feyto o crime, em que algum, ou alguma fação o que não devem, e mereção pena de justiça, vós manday prender, e apenar em dinheyro, e degradar para onde vos prouver, e açoutar manday aquelles que o merecem, sem dardes para mim appellação. E se for feyto tão crime, perque mereção morte, ou talhamento de membro, vós mandareys aos Juizes que dem a sentença, e o julguem, e da sentença que derem, appellarão por parte da justiça, e inviarão a mim a appellação, e de mim irá cá casa d'el-rei meu Senhor, e eu vos enviarey a denunciação que de lá vier. Outrosi avisareys aos moradores d"essas Ilhas, que não vão com nenhum aggravos, nem appellações, nem estromentos, nem cartas testimunhaveis a outra justiça, senão a mim, ou a meus Ouvidores, por que a jurisdicção toda he minha, civel, e crime, e de mim irão as appellações das mortes dos homens, e talhamentos dos membros á casa d'el-rei meu Senhor, por que vós, nem outro algum Capitão, não tem poder de matar, nem de mandar talhar membro: e nos outros casos vós tende a maneyra susodita:
e quem quer que o contrario fizer, e em esto usurpar minha jurisdicção, pagará por cada vez, e cada hum, mil réis para minha Chancellaria.
E outrosi se o Tabeliião de si errar em seu officio por falsidade, vós o suspendereys do officio, e me fareis a saber o erro, como he, e vos eu mandarey a maneyra que tenhais. E outrosi sereis avisado, que se a essa ilha forem Diogo Lopes, e Rodrigo de Bayona, sem vos mostrarem minha licença, que os prendays, e tenhays bem prezos, até m'o fazeres a saber, e vos mandar como façais, e m'os enviem prezos á minha cadea. E quanto he á inquirição que me cá enviastes, vós vede lá o feito, e o determinay, como virdes que he direyto, cumprindo todo assim, e pela guiza, que por mim he mandado, sem nel-o pordes outra briga, nem embargo, porque assim he minha mercê.
Feyta em minha Villa de Lagos a dezanove dias de Maio.
João de Gorizo o fez, anno do Nascimento do Senhor de mil e quatrocentos e setenta.»
Renunciadas pois as Capitanias pelo primeiro Capitão Frei Gonçalo, deteve-se este tanto em Portugal, que lá morreo sem tornar ás Ilhas; e jaz na sua capella da Igreja Matriz de N. Senhora da Assumpção da Villa do Porto.
Frei Gonçalo Velho
Frei Gonçalo Velho I
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