sexta-feira, 9 de julho de 2010

Endovélico

Depois que Resende, no Liv. IV, Antiqut. Lusit., aduziu as inscrições dedicadas ao deus Endovelico, que se acham no frontíspicio do convento dos Agostinhos de Vila Viçosa, e outra que se vê no castelo da Vila do Alandroal, extraídas todas das ruínas do famoso templo, que a esta divindade falsa se erigiu num outeiro não longe da vila de Terena: depois que Brito tratou largamente do mesmo assunto no Tomo I da Mon. Lusit., nada mais resta, que assentirmos aos que dizem, que fora este templo fundado por Maharbal, capitão Carthaginez, e dedicado a Cupido; pois a figura do ídolo, com os olhos fechados, o coração na boca, e asas nos pés, bem claramente nos mostram a natureza do amor profano, que em nada repara, tudo descobre, e n’um instante se remonta, foge, e desaparece, deixando frustrados, e iludidos os seus devotos.

Diogo Mendes de Vasconcellos, nos seus escholios a Resende, desaprovando a conjectura fraca, de que alguma povoação chamada Endovelia désse o nome a Endovelico; e mesmo que este fosse o deos dos caminhos; se convence de que a gentilidado cega lhe dera aquele nome, persuadida que ele tivesse particular virtude para ele arrancar e extrair do corpo setas, dardos, ossos, pedras, ferros, e quaisquer outras coisas estranhas, que nele se aferravam, e intrometiam. Porém icado o Amor a divindade mais poderosa para arrancar os segredos do coração humano, não havendo já mais reservas entre os que muito, e profanamante se amam: foi muito natural chamar-se Endovelico, aquele deus, que poderosamente arrancava os segredos mais intimos, e os mais recatados pensamentos: quasi valde, aut intus avellens. Du Cange. v. Endo, diz o seguinte: «Veteriubus Latinis Endo, vel Indu, idem erat quod Intus a Graeco ENDON: unde voces pler aeque v.g. Endoclusus, Endofestare, Endortium, Endopetitus, Endorigus, etc, por Inclusus, Infestare, Initium, Impetitus, Irriguus, etc.» Digamos pois que Endovelico era o mesmo, que Endoavellens, ou Intusavellens.

A sua primeira estátua foi de prata maçiça; mas roubada com todas as mais preciosidades raras do seu templo pelos soldados de Julio César quando conquistaram Hespanha: outra de fino mármore substítuiu a primeira, a qual os Cristãos meteram depois no grosso da parede da Igreja de S. Miguel (como tendo o diabo aos pés) onde, quase todos os nossos dias, foi achada, e feita em pedaços por gente rústica, e que não sabia estimar esta maravilha da escultura, como diz a Chronica dos Eremitas da Serra d'Ossa.

- Santa Rosa Viterbo

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