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Inda que eu ria e me cale,
que me eu faça surdo e cego,
bem vejo eu porque o da Vale
correu tanto ao meu galego!
Como cum leão fez festa!
Mas inda mal, a la fé,
porque um escrito na testa
não traz cada um de quem é.
Antre craros e escuros,
ladrões de seiscentas cores
andam por aqui seguros,
não lhe saem tais corredores.
Após quem toma por si
e primeiro mata ou morre
não corre o da Vale assi,
que após um tolo assi corre.
Bom matador, bom ladrão
que fugindo arma entretanto,
deixou acolher bastião,
que pica e não rende tanto!
Vive pola tua pena,
outrem prenda, outrem condene,
não me toque no da pena
em que te as barbas depene.
Escreves polo Ribeiro,
anda após o mais proveito.
Hás-de pagar o dinheiro,
ganham a torto ou a dereito.
Deixa andar os encartados,
deixa-os, que tem os caminhos
de palhetos ouriçados,
que andam como porcos espinhos.
Come e bebe, pois te presta.
Não cures das assoadas
que se vem juntas à festa
e vos têm todos em nadas.
Onde vires um coitado
que, em te vendo, perde a cor,
dá após ele, homem ousado!
Não se vá tal malfeitor!
Executores da lei,
havei vergonha algum dia!
Este chama: aqui del-rei!
estoutro chama: a valia!
outro chama: Portugal!
De varas não há i míngua.
Desata a bolsa, que val,
traze sempre atada a língua.
- Francisco de Sá de Miranda, Sobre a prisão de um seu galego
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