segunda-feira, 22 de junho de 2009

Do Castelo de Thomar

Mortos ou prisioneiros os que defendiam a fortificação, cujos alicerces o Almonda banha, dirige o grande imperador as suas hostes para o nordeste, onde nas margens do famoso Nabão, em alto monte, o valente Gualdim Paes, glorioso Mestre dos Templários portugueses, tinha levantado as muralhas altivas da sua casa capitular e, na planície subjacente, lançado os fundamentos duma nova povoação.
Contava pois poucos anos de existência esta fortaleza que neste aperto, bem duro, ia experimentar pela vez primeira o rude embate das hostes marroquinas.

Fundado em 1 de Março de 1160, ainda com seus alicerces mal cimentados e suas pedras, memórias da antiga cidade da margem oposta, não aconchegadas em postura definitiva para uma invencibilidade sem limites, era êsse castelo um amplo recinto cingido de muralhas abaluartadas que corriam nas quatro principais direcções, ligando a quadrela do norte as partes mais nobres da novel construção.

Ao oriente, no mais alto do padrasto, levantava-se a alcáçova, do meio da qual imergia a torre dc menagem, alta, forte, quadrada, onde altiva e arrogantemente flutuava o invencivel estandarte da Cruz, a terrível balsa, aquela que nas quatro orlas inscrevia o célebre versículo de David: A nós não, Senhor, dáe glória, mas sim ao teu nome.

A poente quebrava o ângulo uma fábrica exquisita, estranha, pontuda, de forma prismática, de 16 fáces, com um corpo central, da mesma forma, mas de 8 fáces, que se abriam em arcos bizantinos, deixando entrar aqueles a luz, que frestas estreitas e altas coavam na amplidão do lugar que decerto se destinava às reuniões privadas da cavalaria templária.

Ao Centro da fortaleza e em declive arrumavam-se as instalações dos soldados que durante a paz, por dever do cargo, viviam entre muros, e os alojamentos para aqueles que de longe vinham ao chamamento dos apertos da guerra.

Suas portas altas, espaçosas, ogivais, abriam-se: uma no longor oriental, donde o nome de Porta do Sol, e a outra no do sul, entre dois salientes e valentes cubelos, no meio da rampa áspera, na parte mais declivosa das cortinas.
Esta, a largos traços descrita, era a praça que a onda vertiginosa de Iacube ia, com fragor, tentar despedaçar.

Seus soldados, embriagados com a vitória de Torres Novas, vinham audazes, féros, arremetedores, na certeza de, em breve, se encherem de novo de glória e de saque.

Deante deles, recolheu com seus homens de armas, à sua sede, o glorioso Mestre da milicia do Templo, Gualdim Paes, que, atento, senhor de si, confiante na sua valente espada e nas dos seus poucos, mas fieis companheiros, esperava o choque medonho dos ferozes africanos e ia saber da valentia e das qualidades defensivas do castelo que trinta anos antes tinha fundado, dando origem à linda cidade que por tantos títulos se tornaria notavel— Tomar.

Não se fez esperar muito o temeroso chefe berbere, e qual catadupa, salta sôbre a infantil povoação que, não podendo sofrer tão duro golpe, se entregou à sua negra sorte, pondo-se antes, seus habitantes ao abrigo das fortes e bem defendidas muralhas templárias.

Enraivecido, Iacube, ordena o saque, que é seguido pela destruição das habitações que já se estendiam em ruas direitas pela planura fôra, onde agora a multidão da sua gente acampava numa agitação febril de conquista e de matança.
Esta não se pôde realizar, mas aquela é tentada e os petrechos de guerra são postos em acção numa ânsia de vitória e numa inutilidade impaciente e desprestigiante.

Os chefes maometanos redobram de ardor e seus soldados, no delírio da luta, não perdem um momento, o cêrco é mais apertado, os muros da impassível fortaleza cada vez são mais batidos por todos os engenhos de que dispunha a arte dos assédios, as portas do altivo castelo são violentamence atacadas, mas uma impossibilidade se opõe a tanto esfôrço — a inexpugnabilidade da praça e o valor dos sitiados.

Este nunca se desmentiu durante os seis longos dias do sítio duro,encarniçado, sangrento, a ponto de tanto sangue se derramar numa das portas da inconquistavel fortaleza que desde então se tornou conhecida por esse apelido.

(fonte: Vieira Guimarães)

4 comentários:

Criptex disse...

"Falemos de casas, da morte. Casas são rosas
para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança
nos abandona para sempre.
Casas são rios diuturnos, nocturnos rios
celestes que fulguram lentamente
até uma baía fria - que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre um incêndio,
junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza."

HH

Abraço

Rui Ferreira disse...

esta ilustração é do livro do V. Guimarães???

Sigillum disse...

Muito bonito :)

Obrigada

Sigillum disse...

É sim Rui, do Vieira de Guimarães