domingo, 28 de dezembro de 2008

O vento do espírito

Senti passar um vento misterioso,
Num torvelinho cósmico e profundo.
E me levou nos braços; e ansioso
Eu fui; e vi o Espírito do Mundo.

Todas as cousas ermas, que irradiam
Como um nocturno olhar inconsciente,
Luz de lágrima extinta, não sentiam
A trágica rajada, que somente

Meu coração crispava! Ó vento aéreo!
Vento de Exaltação e Profecia!
Vento que sopra, em ondas de mistério,
E tanto me perturba e me extasia!

Estranho vento, em fúria, sem tocar
Na mais tenrinha flor! E assim agita
Todo o meu ser, em chamas, a exalar
Luz de Deus, luz de amor, luz infinita!

Vento que só encontras resistência
Numa invisível sombra... Um arvoredo,
Ou bruta pedra, é como vaga essência;
E, para ti, eu sou como um penedo.

E na minha alma aflita, ó doido vento,
Bates, de noite; e um burburinho forte
A envolve, arrasta e leva, num momento;
E vai de vida em vida e morte em morte.

Vento que me levou, nem sei por onde;
Mas sei que fui; e, ao pé de mim, bem perto,
Vi, face a face, a névoa a arder que esconde
O fantasma de Deus, sobre o deserto!

E vi também a luz indefinida
Que, nas trevas, se fez, esclarecendo
Meu coração, que voa, além da vida,
O seu peso de lágrimas perdendo.

E aquele grande vento transtornou
Minha existência calma; e dor antiga
Meu rude e frágil corpo trespassou,
Como a chuva uns andrajos de mendiga.

E fui num grande vento; e fui; e vi;
Vi a Sombra de Deus. E, alvoroçado,
Deitei-me àquela sombra e, em mim, senti
A terra em flor e o céu todo estrelado.


- Teixeira de Pascoaes

2 comentários:

Xabo Martínez disse...

Estando en pie en casa de mi soledad, como asno silvestre solitario, habitando en tierras saladas, abro la boca hacia ti, Señor, y aspirando el soplo de mi amor, aspiro el Espíritu. Y a veces, Señor, cuando estoy así ante ti y con los ojos cerrados, me pones en la boca del corazón lo que no me permites reconocer

Guillermo de Saint-Thierry
(s. XII)

Sigillum disse...

:)

Bueno 2009